Se a maconha está na lista das substâncias controladas nos EUA, por que a Califórnia e mais 13 estados estão tratando seus cidadãos com Cannabis? E por que tem gente sendo presa por porte, enquanto plantadores estão livres? Trip dichava essa enrolada questão.
Fumaça matinal - foto: Bruno Torturra Nogueira
Um inédito experimento jurídico se acomoda até hoje, e a muito custo, por aqui. Quando o que resta da fumaça dissipar, o saldo provavelmente determinará como o mundo vai rever sua relação com a planta mais querida e difamada da história. Mas o que interessa agora não é que tipo de erva nossa sociedade vai tolerar em seu seio. Há algo bem mais urgente no momento: Stephen Sibley, 62, está com dores fortíssimas.
Desde 1968, então com 21, uma rara forma de artrose dobrou sua espinha e espremeu suas vértebras. Ele se aposentou com um modesto salário do governo para lidar com uma saúde precária. Nem a morfina que ele utiliza há muitos anos amansa seu destino.
A dor, para ele, não é algo transitório. “Agora, por exemplo, estou com muita dor. Não passa, sabe?”, explica com um bem fornido baseado aceso na mão. A maconha não resolve seu problema, ele explica, “mas ajuda, ajuda muito. Potencializa bastante o efeito dos outros analgésicos. E é bom para relaxar, para pensar em outras coisas.” Se ele tem forças no dia, trabalha como voluntário. Ajuda outros, até mais doentes do que ele, a obter maconha medicinal grátis através da Wamm, uma espécie de boca de fumo da compaixão em Santa Cruz.
A associação organiza e dá todo tipo de amparo a uma comunidade flutuante de 150 pessoas de baixa renda, com graves doenças crônicas ou em estado terminal. Toda terça-feira eles se reúnem em um salão alugado na cidade. De crianças a octogenários, de câncer a mal de Parkinson, a larga roda sempre começa com a palavra de Valerie Corral, fundadora e coração da Wo/Men’s Association for Medical Marijuana.
Se para muitos pacientes a maconha é uma aliada, para Valerie é bem mais do que isso. Aos 20 e poucos anos sofreu um acidente de carro e, nele, uma lesão cerebral. Começou a ter séries de ataques convulsivos e entrou na tradicional medicação psiquiátrica, perfeitamente legal, cruelmente psicoativa: “Eu me sentia vivendo debaixo d’água com os remédios. Um lugar estranho, onde não era para eu estar”, relembra, “e os ataques não cessaram”.
Três anos nessa batida, até que seu parceiro, Mike, em 1974, leu um artigo sobre um estudo com maconha em ratos. Aparentemente as epiléticas cobaias chapadas tinham menos convulsões do que as caretas. Depois disso, toda vez que os primeiros sinais de um ataque surgiam, Valerie acendia e dava uns tragos. Começou a ter menos e mais curtos episódios. Notou que o uso regular dava mais resultado. Diante da descoberta, o casal de Santa Cruz, já avesso ao capitalismo, ignorou a lei e começou um cultivo caseiro. “Essa experiência me deu mais do que saúde, me deu um novo modo de pensar”, Valerie remonta.
Quatro anos antes de a 215 ser votada, o jardim dos Corral já era fonte de medicina para muita gente na cidade. A maconha deles era forte, limpa e sempre grátis. Tudo parecia bem em 1992, até que a polícia chegou. Entraram com tudo, acabaram com o jardim e indiciaram os dois. Valerie poderia apelar por sua condição de saúde.
Mas Mike, o expert da plantação, sadio, seria facilmente enquadrado em tráfico. Quando se viram de mãos atadas, só tinham uma alternativa: fazer a revolução.Mobilizaram usuários doentes, amigos e testemunhas, jogaram na cara da Justiça seu desprendimento abnegado e escaparam de uma condenação. A estranha vitória diante da lei que proibia maconha sem poréns foi gasolina na fogosa rebeldia de Val.
Na frente da prefeitura de Santa Cruz, convocou a imprensa e anunciou que estava oficialmente distribuindo maconha como remédio para os necessitados. Em uma pirraça solidária, a Wamm ficou de pé. A proposição 215 passou pelas mãos de Valerie e Mike antes de ir às urnas.
Mas maconha é apenas a erva que mantém o grupo aliviado. A união e o senso de comunidade comovente da Wamm vem de algo bem, mas bem mais forte do que maconha sem semente.
“Todos vamos morrer, mas nossos membros estão encarando isso de frente. E minha missão aqui é cuidar deles até a hora final, a mais importante da vida”, afirma Valerie, que esteve do lado de mais de 100 pessoas em seus últimos suspiros. Hoje, 16 anos e três batidas policiais depois, eles já distribuíram de graça o equivalente a US$ 20 milhões. “Eu mesma nunca fiz a conta, foi um amigo meu. Eu não quero olhar assim para meu jardim. Vejo alívio para nossos irmãos morrendo. Outros veem dinheiro.”
Para ver matéria completa acesse: http://revistatrip.uol.com.br/revista/175/especial/medicalize-ja.html
por: Bruno Torturra Nogueira - 22/03/09 - 22:00 - fonte: REVISTA TRIP
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